A MENINA E O DEDAL
Episódio na feira do Crato - Memória de Infância de Jacinta Siebra de Brito
Ele era de plástico, verde-limão, todo furadinho e encaixou direitinho no meu dedo!
Estava misturado entre outros dedais de metal que eu já conhecia, desde não sei quando. A novidade é que aquele era colorido e de plástico. Que lindo!
Como sempre fazia todas as segundas à tarde, ia à feira, um dos meus passeios prediletos. Perambulava de banca em banca, em busca de encantamentos. Ficava feliz e animada!
No meu coração de menina de oito anos, aquilo era uma aventura perigosa, ir à feira apenas na companhia de uma amiguinha, e ficar passando pelas bancas sem nada comprar.
Certa vez, após termos parado na banca de filhós e gasto todas as moedinhas, mais adiante nos deparamos com outra banca cheia de novidades: miçangas coloridas e cintilantes. Aquilo brilhou diante dos meus olhos, pois eu jamais tinha visto tantas miudezas juntas: fivelas, marias-chiquinhas, broches, travessas, fitas de cetim de todos os tamanhos e cores, cianinhas, bicos, rococós, e dedais de todo tipo e cor, tão bonitos e diferentes!
Eu fiquei entusiasmada e parecia exaltar numa sensação de êxtase e desconforto.
O espelho não bastava para as duas amigas, uma ficava puxando da mão da outra, a provar tudo! Eu, na minha paixão por dedais, ficava a testar todos, chegando até a preencher todos os dedos das mãos e mostrando a amiga dizia:
- Olha que bonitinho! Acho que vou ser costureira.
A dona da banca, mulher simples, só olhava e deixava sair um breve e tímido sorriso, tanto quanto o meu, quando tentei tirar o dedal do polegar e não consegui. Em busca de um socorro, olhei para minha amiga, que nem se deu conta do meu vexame, pois estava muito ocupada a botar e tirar as miudezas. Pensei cá com meus botões... como é que uma pessoa com o nome de Socorro não percebe a minha aflição? Invadida por emoções fortes, eu não sabia o que fazer. Pedir para a amiga puxar o dedal na frente da dona da banquinha podia ser pior, pois se não saísse do dedo, como pagar se não tínhamos mais moedas? Entretanto, estava feliz e ao mesmo tempo assustada. O dedal colorido e brilhante não saiu do meu dedo. E agora?
- Como as moedas rendem pouco! Pensei indignada. Será que eu estava roubando? Não!
O dedal é que colou no meu polegar, e não queria mais se separar de mim.
No meu íntimo estava gostando daquele grude, apenas receava que a mulher percebesse o que eu estava levando na mão. Que situação! Passaria vergonha se fosse pega com o dedo colorido escondido por debaixo da prega da saia. E se tivesse um guarda ali, vendo tudo? Perguntava a mim mesma.
Olhei em volta e constatei que estava tudo bem. Que felicidade! Poderia voltar para casa sem ser vista. Nisso, aproveitando o momento que chegou uma mulher procurando elástico, dei um sinal de ir embora para a amiguinha, e nós saímos de fininho. Antes, disse encabulada para a mulher:
- A gente não vai comprar nada não, tá?
A mulher apenas abanou a cabeça consentindo. No caminho de casa fiquei olhando para todos os lados para ver se o guarda vinha E quando Socorrinho olhava pra mim com um “zoião” e perguntava: O quê que foi? ficava mais nervosa ainda e na minha fantasia o guarda já estava bem perto da gente; nisso eu enfiava cada vez mais a mão na prega da saia e sentia um conforto e gratidão por ela abrigar meu dedo. Não consegui responder nada pra minha amiga, estava confusa. Ao mesmo tempo desejava que o dedal não saísse do meu dedo, pois parecia um anel e imaginava que quando eu quisesse agradecer a alguém era só levantar o dedo, e surpresa...! Um dedo colorido.
Quando chegamos no cruzamento da rua Santos Dumont com a Bárbara de Alencar, Socorrinho avisa que vai subir pela Bárbara, pois ficava mais perto pra ela. Daí eu fui em frente com uma sensação de alívio, mas, ao mesmo tempo um medo de seguir sozinha, pensando agora que o guarda ia aproveitar para se aproximar.
Quando dobrei na esquina do bar de Cabral, para entrar na rua Pedro II, onde morava, esqueci o guarda e fiquei matutando o que ia dizer em casa. Estava emaranhada em meus sentimentos, uma mistura de alegria, medo e desconfiança.
Eu jamais tinha experimentado aquela sensação: um misto de contentamento com algo que ainda não conseguia entender.
- Que será isso que se passa comigo? Me perguntava confusa.
Quando cheguei em casa que vi minha mãe, senti que ela lia minha alma e resolvi desabafar:
- Ó mãe um “copinho” que a mulher me deu na feira!
Minha mãe pressentindo algo disse:
- Que história é essa? Porque uma mulher havia de dar um dedal a uma menina? Isso é um dedal que as costureiras usam para não furar o dedo com a agulha!
O comentário da minha mãe me trouxe à realidade. Claro que eu sabia, mas estava querendo enganar-me, pois já tinha visto aquele dito “copinho” nos dedos “das Costa”, as irmãs costureiras, que faziam meus vestidos para a festa da padroeira da cidade.
Como que acordando de um sonho, reconheci que não podia haver segredo entre nós! Tomei coragem e disse:
- Não, mãe, foi que eu fui experimentar e ficou preso no meu dedo.
Para mim parecia mais fácil e leve aceitar essa versão. Minha mãe, paciente, orientou-me a lavar as mãos com sabão para soltar o dedal e devolvê-lo imediatamente.
Pronto! Agora, sem ter o fiel dedal colado ao meu dedo, constrangida pensava: - que desculpa arranjar para a mulher das miçangas? Queria a companhia de uma amiguinha para me dar cobertura e segurança. Chamei algumas, mas nenhuma quis acompanhar-me.
E assim fui criando coragem de ir sozinha, pensando agora em como falar com a mulher.
No caminho de volta à feira, resolvi fazer um percurso mais longo pela rua detrás, prá dar tempo de pensar no que dizer. Ensaiei várias versões pra entregar o dedal, e antes mesmo de chegar lá já sabia como falar:
- Éi! Minha mãe disse que eu viesse devolver esse negócio que ficou agarrado no meu dedo!
A dona da banca apenas abanou a cabeça e resmungou:
- Huuum!
Fiquei admirada, pois a mulher não brigou comigo. Aliviada, percebi que meu erro tinha sido reparado. Mesmo assim, ainda sai olhando para trás com medo que a dona das miçangas chamasse o guarda.
No retorno para casa, ainda apreensiva, notei que soluçava muito e o coração batia rápido. Estava na espreita de uma surpresa, quem sabe o guarda poderia tocar no meu ombro...
Já nos arredores da feira, um pouco antes da esquina de Cabral, encontrei Helena, a namorada do meu irmão. Ela estava com um vestido azul celeste, decotado, que combinava e reluzia nos seus olhos verdes. Sorrindo alegre como sempre, Helena foi logo perguntando por Pedro. Tentei responder, mas não parava de soluçar.
Daí então, Helena soltou um disparate:
- Eu vi você roubando aquela caixinha de lápis de cor na feira!
Assustada exclamei:
- Euú!? E a outra retrucou: - Você mesma!
Nesse momento livrei-me do soluço e falei gaguejando:
- Mas... eu, eu, eu não, não... Eu tentava traçar uma desculpa, pois no meu pensamento a moça esperta havia assistido minha aventura e para não ser direta trocou o dedal por lápis de cores. Lembrei nesse instante que na banquinha tinha também material escolar.
Helena vendo a minha aflição disse:
- É brincadeira, menina! Foi só um susto prá passar teu soluço!
2 comentários:
Quantos sustos a gente deu e levou pra passar soluços...!
Quantas coisas coloridas desejamos sem poder comprar.
Quantas lições recebemos dos nosso pais.
Quanta coisa eu tive e perdi, e agora não me fazem falta ... As saudades nos fazem resgatá-las, nem que seja só por uns instantes.
Stela esse conto mexeu com meus sorrisos e prantos.
Esse conto me faz sentir a alma que sou. Essa criança é o princípio da minha essência universal e eterna.
Essa feira é o meu espaço celestial.
Essa amiga é a ponte para comunicação com Deus. Essa mãe é a fonte do amor que se expressa em mim.
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